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Consultório na Rua evitou extermínio de sem-teto pela Covid-19

Publicação: 23 de dezembro de 2020

Campanha #SeparadosSomosMaisFortes é lançada para ampliar o atendimento médico a moradores de rua em São Paulo ainda mais vulneráveis frente ao coronavírus

Como exigir que fique em casa quem não tem teto? Que lave as mãos, sem pia? Que troque de roupa, se mal possui uma muda para vestir?

As recomendações da Organização Mundial da Saúde para se evitar o contágio pelo coronavírus eram desafio maior para as populações em situação de rua, os mais vulneráveis entre os vulneráveis.

Diante desse cenário, o projeto #SeparadosSomosMaisFortes, referência ao distanciamento social, potencializou o trabalho do Consultório na Rua para evitar que a Covid-19 se tornasse tragédia maior entre as 24 mil pessoas que vivem nestas condições em São Paulo, de acordo com censo da prefeitura de 2019.1 10

Com foco em higiene e saúde, 25 equipes multidisciplinares realizam atendimento médico preventivo e cuidados básicos entre a população de rua.

“Iniciamos o projeto em busca de apoio para garantir o cuidado, buscando salvar vidas”, diz Marta Regina Marques Akiyama, 50, coordenadora do Consultório na Rua.

A assistente social que cresceu com medo do “homem do saco que carregava crianças” entrou para o programa como estagiária em 2004. “Fui trabalhar com 11 pessoas que vieram da rua, os nossos primeiros agentes de saúde.”

Já formada em 2009, Marta assumiu a coordenação do trabalho que tem hoje mais de 12 mil pacientes cadastrados, com prontuários sem endereço. Médico, auxiliar de enfermagem, psicóloga e agente de saúde formam o time básico de um Consultório na Rua. Fazem curativos, controlam a pressão e a temperatura, examinam os pulmões dos pacientes debaixo de viadutos, em calçadas.

Médicos como Ricardo Palma, que têm pela frente jornadas extenuantes para atender a pacientes com tuberculose e ulcerações graves na pele, portadores de HIV, diabéticos, problemas agravados por alcoolismo e depressão.

Esse atendimento humanizado veio do Gente na Rua, criado após a chacina na praça da Sé, quando sete moradores de rua foram assassinados em 2004. “Na hora do massacre, eu estava no Anhangabaú. No dia seguinte, eu fui para um abrigo. Não queria morrer”, diz Marivaldo Santos.

Pioneiro como Marta, a quem agradece o suporte para mudar de vida, ele voltou a estudar, virou agente de saúde, graduou-se em Serviço Social. O #SeparadosSomosMaisFortes e a supervisão de UBSs, como as da República e da Brasilândia, deram a ele a chance de levar cuidado à população que poderia ser dizimada na pandemia.

Os consultórios foram criado pelo Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, em convênio com a Secretaria Municipal de Saúde. “Muito se fala em nova engenharia social, sinto que nós saímos do papel e fomos para a prática”, diz o padre Osvaldo Bisewski, 48, diretor-presidente da entidade. Ele diz que o morador de rua vê as equipes com jaleco branco e diz: “Chegaram nossos anjos”.

O número de óbitos por Covid é de 31 mortes e dois casos suspeitos. “Todos foram hospitalizados. Ninguém morreu na rua”, enfatiza o padre. Índice baixo dada a alta vulnerabilidade social.

Os 595 profissionais foram capacitados para atuar além do dia a dia dos acompanhamentos dos pacientes, realizando uma busca ativa de pessoas em situação de rua com sintomas de Covid-19.

“Se não fosse isso, os números teriam sido muito maiores. Tivemos mais de 900 internações. Os hospitais de retaguarda foram fundamentais”, afirma a coordenadora.

De março a outubro foram 135.937 avaliações para identificar casos. Destes, 898 apresentaram-se sintomáticos, com 318 confirmados.

A coordenadora pontua que nunca viu a sociedade tão empenhada em apoiar o Separados Somos Mais Fortes. “Tivemos apoio de muitas empresas.” Vaquinha online arrecadou R$ 120 mil, transformados em kits de higiene. Galões com água e sabão foram distribuídos em pontos estratégicos, como árvores e postes, com cartazes que orientavam o uso. “Foi uma ação preventiva muito forte”, elogia padre Júlio Lancellotti.

À frente da Pastoral do Povo da Rua, ele alimentou 500 pessoas por dia, em parceria com as equipes de saúde.

Em janeiro, o quadro do Consultório na Rua foi ampliado em 75%. A primeira abordagem é feita por agentes de saúde, 95% deles ex-pacientes que já viveram na rua. A coleta de exames é feita ali mesmo e os que necessitam são direcionados para Unidades Básicas de Saúde.

Um caso emblemático foi o de José Alves, 75, que vivia ao relento na região do Tatuapé havia sete anos, após perder a mulher e as filhas em um acidente de carro. “Ele entrou em sofrimento profundo e passou a fazer uso abusivo de álcool”, relata Marta.

A equipe de Consultório na Rua do Belém enfrentava a resistência dele em aceitar ajuda. Uma moradora do bairro se sensibilizou ao encontrá-lo chorando, passando mal e temendo o coronavírus.
Internado com pneumonia, ficou em isolamento por suspeita de Covid-19 durante 15 dias. Após a alta, aceitou ir para um centro de acolhida. “Recebemos vídeos dele feliz na nova morada, restabelecendo laços e agradecido.”

Um final feliz em rotina marcada por sofrimento. Para Marta, o fato de estar junto a essa população foi tão forte quanto a mensagem de que separados somos mais fortes. “Todos podem apoiar e se solidarizar com o próximo, mesmo em uma pandemia.”

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/2020/12/consultorio-na-rua-evitou-exterminio-de-sem-teto-pela-covid-19.shtml?fbclid=IwAR1kjHULWmgLeL3Rw1cQzgCjyf2fIIbp4yCANJjn5xy37CsiaGPW98aE7gk

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