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Determinantes sociais: restrições na interpretação do processo saúde-doença

Publicação: 11 de junho de 2019

CARTA AO EDITOR – ANTONIO RUFFINO NETTO

Professor Titular Sênior do Departamento de Medicina Social Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP
Sejam alguns aspectos da Epidemiologia. Lillienfeld 1978 apresenta 23 definições para a
Epidemiologia. Outros conceitos hão sobre a disciplina, girando sempre, sobre a mesma ideia.
Tem-se, como denominador comum, em todas as definições, três pontos essenciais. Estes
pontos dizem respeito: qual a magnitude, qual a distribuição e quais os fatores determinantes
do processo saúde-doença. Quanto à magnitude do processo saúde-doença, existem várias
fontes de informações, cuja acurácia tem sido sobejamente pesquisada tipo SINAN, TB WEB, etc.
Quanto à distribuição dos processos saúde-doença no espaço, também presenciamos uma série
de pesquisas com resultados já consagrados. Poderá haver discrepâncias em seus resultados,
mas há concordância em seus propósitos. Todos os sistemas pesquisam para apresentarem
resultados mais precisos. O grande problema surge quando vamos discutir os fatores
determinantes do processo saúde-doença. Pela Epidemiologia entendemos que FATOR é
qualquer agente de natureza: biológica, física, química, psicológica, econômica, educacional,
social, política, ideológica, antropológica, ecológica, religiosa, entre outras. Vista a questão de
forma simplista e reducionista, a tendência foi sempre em buscar um único fator causal
(unicausalidade) acrescida da tendência de focalizar o aspecto biológico como sendo o
determinante. Os efeitos dessa atitude postura do pensamento vão em favor das
características do assim chamado “conhecimento científico” apregoados e canonizados pela
medicina Flexneriana quais sejam: mecanicismo, biologismo, individualismo, especialização,
exclusão de práticas alternativas, tecnificação do ato médico, ênfase na medicina curativa e
concentração de recursos para a saúde. Evidentemente, essa corrente de pensamento assume
uma ideia funcionalista dos problemas, quantificando-os com muito esmero e descrevem bem
os problemas, contudo, explicam pouco (RUFFINO-NETTO, PEREIRA, 1982). Quando
pesquisamos no campo das ciências naturais, no geral dão bons resultados pois estamos
trabalhando em um campo/universo homogêneo, continuo, atemporal, a-histórico. Suas leis,
uma vez descobertas, são generalizáveis sem restrições.
Já outra corrente de pensamento busca a multicausalide. Dependendo como imaginam
a inter-relação entre os fatores, poderão ainda utilizar um encadeamento funcional entre
variáveis ou pensando outras interações simultâneas; estão em busca de uma visão mais geral
e holística do problema. Nesta visão há de se assinalar também a percepção de outras variáveis
qualitativas envolvidas no processo. Tais modelos, geralmente são mais explicativos. Deve-se
assinalar que estão pesquisando num universo que é heterogêneo, descontínuo, são temporais
e históricos. Suas leis quando descritas, não são generalizáveis para outras realidades que não
seja aquela no tempo/espaço que serviu de objeto de investigação.
Mas aqui chegamos ao ponto crucial: quando se fala em “determinantes sociais” os mais
afeitos a modismos de linguagem, supõem estarem apresentando uma visão holística do
problema. Nesse posicionamento, supõem que eles por si só explicariam tudo. Todavia, como
assinala Minayo 1996, os determinantes sociais nunca atuam diretamente no campo biológico.
Eles são sempre intermediados pelos aspectos antropológicos. Embora se reconheça que os
determinantes estão sempre nas esferas sociais (econômicas, educacionais, etc.) mas para que
estas atinjam o indivíduo no biológico, deverão passar pelo crivo antropológico, isto é, pelas
crenças/valores da pessoa em pauta no processo. Assim, uma explicação por mais lógica e
racional que possa parecer (do ponto de vista social, econômico, etc.) para que esta seja
reconhecida/acolhida no campo individual é preciso que a mesma seja aceita e abonada pelas
crenças /valores do indivíduo.
Em vista do exposto, é aconselhável que aqueles que passaram a incorporar o discurso dos
determinantes sociais em toda e qualquer situação, não esquecer das restrições do seu uso sem
levar em conta os componentes antropológicos.

REFERENCIAS

  • LILIENFELD, D E- Definitions of Epidemiology. Am J Epidem, 107(2): 87-90, 1976
  • MINAYO, M C S- O desafio do conhecimento- pesquisa qualitativa em saúde. Editora HUCITECABRASCO, São Paulo-Rio de Janeiro, 1996
    -RUFFINO-NETTO, A e PEREIRA, J C- o processo saúde-doença e suas interpretações. Revista
    Medicina do HCFMRP-USP, 15(1-2): 1-4, 1982

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