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Dia Mundial da Tuberculose: dificuldades no diagnóstico em crianças e adolescentes

Publicação: 14 de abril de 2021

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Um recente estudo brasileiro realizado na cidade do Rio de Janeiro e publicado no International Journal of Infectious Diseases destaca as dificuldades no diagnóstico da tuberculose (TB) quando a apresentação é atípica ou em pacientes com formas paucibacilares.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil tem uma alta carga de coinfecção de TB e TB associada ao vírus da imunodeficiência humana (HIV). A TB extrapulmonar (TBEP) representa 13,4% dos casos de TB no país. Em um primeiro relatório sobre dados nacionais de TB que incluiu crianças e adolescentes divulgado pelo governo brasileiro em 2019, a taxa de incidência de TB era de 35 casos/100.000 habitantes e, entre 73.584 casos novos, 1.646 (2,2%) ocorreram em crianças com menos de dez anos de idade. Além disso, houve 39 novos casos de TB miliar e meningite tuberculosa (MTB) em crianças com idade inferior a cinco anos. A segunda maior incidência de TB no Brasil ocorre no Rio de Janeiro (93,7 casos/100.000 habitantes), onde a taxa de mortalidade por TB é a quarta maior no país (4,6 óbitos/100.000 habitantes).

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Infelizmente, a quantidade limitada de informações publicadas sobre TBEP entre crianças e adolescentes é em grande parte devido à dificuldade de diagnóstico laboratorial e à variedade de apresentações clínicas. Dessa forma, com o objetivo de comparar as características sociodemográficas, clínicas, diagnósticas e os desfechos do tratamento entre TBEP e TB pulmonar (PTB) em crianças e adolescentes na cidade do Rio de Janeiro, pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) conduziram um estudo retrospectivo, utilizando dados de pacientes com TBEP e TBP com idades entre 0 e 18 anos, notificados em duas bases de dados nacionais no período de 2014 a 2016.

Dia Mundial da Tuberculose: dificuldades no diagnóstico em crianças e adolescentes

Metodologia

Foi realizado um estudo retrospectivo comparando as formas de TBP e TBEP em crianças e adolescentes de 0 a 18 anos diagnosticados no Rio de Janeiro e notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação em Tuberculose [SINAN-TB], de 1º de agosto de 2014 a 1º de agosto de 2016, durante o período da implementação do Xpert MTB/RIF (Xpert, Cepheid, Sunnyvale, CA, EUA) no município como a primeira abordagem laboratorial para diagnóstico de TBP e TBEP, em substituição à baciloscopia de escarro. Os pesquisadores também utilizaram outro banco de dados nacional, o Gerenciamento do Ambiente Laboratorial (GAL), responsável pelo monitoramento e gerenciamento dos dados laboratoriais, para verificar os resultados do laboratório por meio de uma ligação manual entre os dois bancos de dados.

O Quadro abaixo mostra as definições que foram utilizadas no estudo:

Tuberculose pulmonar (TBP)TB afetando o parênquima pulmonar, incluindo linfonodos intratorácicos ou mediastinais.
Tuberculose extrapulmonar (TBEP)TB afetando outros órgãos: laringe, pleura, linfonodos periféricos, osteo articulações, meningite tuberculosa, aparelho geniturinário, olhos, pele, abdome e pericárdio.
TB miliarTBEP de acordo com o banco de dados do SINAN.
Casos novos, retratamento e transferênciaA categoria “transferidos para” refere-se aos pacientes identificados em uma unidade de saúde vindos de outra para continuar o tratamento sem interrupção por mais de 30 dias.
Pacientes extremamente vulneráveisPacientes com, pelo menos, uma das seguintes características: moradores de rua, presidiários e/ou usuários de tabaco, drogas ilícitas ou álcool.
Confirmação laboratorialQualquer resultado positivo (baciloscopia de escarro, Xpert, cultura de micobactérias ou histopatologia) que tenha confirmado o diagnóstico de tuberculose.
CuraFoi determinada com base em duas baciloscopias de escarro negativas: uma durante o acompanhamento do tratamento (qualquer mês) e outra ao final do tratamento da TB.
Término de tratamentoPaciente que completou o tratamento sem evidências de falha e recebeu alta com base em exames clínicos e radiológicos.
Perda de acompanhamentoInterrupção do tratamento por 30 dias consecutivos ou mais ou quando o paciente diagnosticado não tenha iniciado o tratamento.
ÓbitoO paciente faleceu devido à TB como causa básica. Óbito por outras causas foi definido quando a causa básica do óbito não era TB, embora estivesse associada.
Legenda: TB – tuberculose.

Resultados

Foram incluídos 1.008 pacientes. Destes, 144 (14,2%) apresentaram TBEP. Os pacientes com TBEP apresentaram maior chance de diagnóstico no hospital (odds ratio [OR]: 6,76, com intervalo de confiança de 95% [IC 95%] = 4,62–9,90; p < 0,001), sem confirmação laboratorial (OR: 4,9; IC 95%: 3,07 – 7,85; p < 0,001) e ter idade inferior a 14 anos (OR: 3,13; IC 95%: 2,18–4,49) do que aqueles com TBP.

O tempo médio desde a coleta da amostra até o início do tratamento foi significativamente maior em pacientes com TBEP (nove dias) do que naqueles com TBP (cinco dias). A perda de acompanhamento foi significativamente mais comum em pacientes com TBP do que aqueles com TBEP. No entanto, não foi observada uma diferença significativa no tempo de diagnóstico para a perda de acompanhamento.

A morte devido a TB foi significativamente maior entre pacientes com TBEP (5 [33,3%]) do que aqueles com TBP (4 [3,6%]), e o desfecho desfavorável mais frequente em TBEP. O sucesso do tratamento da TB foi o resultado mais frequente em TPB (681 [78,8%]) e TBEP (103 [71,5%]).

A mediana de dias desde o diagnóstico até o óbito por MTB foi de 24,5, e 50% dos pacientes morreram dentro de 14 dias do diagnóstico. Quatro (80%) pacientes morreram devido a MTB.

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As formas pleurais foram mais frequentes nos pacientes com idades entre 10-14 e 15-18 (35/61 [57,4%]). As formas de linfonodos periféricos foram mais frequentes nos pacientes com idade inferior a 5 anos (10 / 27 [37%]) e com idades entre 5 e 9 (9/20 [45%]). A MTB foi mais frequente em crianças com menos de 5 anos (9 [33,3%]).

A notificação hospitalar (22/61 [36,1%]) e o diagnóstico realizado fora da área de residência foram menos frequentes entre os 15 a 18 anos (17/61 [27,9%]). Perda de acompanhamento foi mais frequente entre aqueles com idade entre 10 e 14 (2/36 [5,6%]) e 15 e 18 anos (7/61 [11,5%]), enquanto a transferência foi mais frequente entre aqueles com menos de cinco anos (6/27 [22,2%]). Os adolescentes foram os únicos pacientes com comorbidades:

  • Doenças hematológicas: 6 TBP/0 TBEP;
  • Desnutrição: 2 TBP/2 TBEP;
  • Lúpus eritematoso sistêmico: 0 TBP/2 TBEP;
  • Artrite: 2 TBP/2 TBEP;
  • Hepatite C: 1 TBP/0 TBEP;
  • Desnutrição e paralisia cerebral: 1 TBP/0 TBEP;
  • Deficiência de IgG: 1 TBP/0 TBEP;
  • Rim único congênito: 1 TBP/0 TBEP;
  • Doença de Chron: 1 TBP/0 TBEP;
  • Paralisia cerebral: 3 TBP/0 TBEP;
  • Epilepsia: 1 TBP/1 TBEP;
  • Cardiopatias: 2 TBP/0 TBEP;
  • Síndrome genética não especificada: 1 TBP/0 TBEP;
  • Diabetes: 9 TBP/0 TBEP;
  • Comorbidades não especificadas: 13 TBP/1 TBEP.

O diagnóstico sem investigação laboratorial foi observado em 301/864 (34,8%) pacientes com TBP, 48/144 (33,3%) com TBEP e entre aqueles com idade inferior a cinco anos com TBEP (15/27 = 55,6%). A proporção de resultados positivos entre pacientes TBEP com confirmação laboratorial foi de 8/12 (66,7%), 10/14 (71,4%), 11/25 (44%), 25/45 (55,6%), entre os pacientes com menos de cinco anos, 5 a 9 anos, 10 a 14 anos e 15 a 18 anos, respectivamente. Em todas as idades, a confirmação laboratorial foi baseada na histopatologia e cultura, exceto para apenas 3/144 (2,1%) adolescentes: dois com Xpert e outro com resultados positivos para baciloscopia de escarro. O Xpert foi realizado em apenas 10,4% dos pacientes com TBEP e produziu 14,2% de resultados positivos. Por outro lado, a confirmação laboratorial com Xpert ou baciloscopia de escarro foi realizada em 424/864 (49,1%) pacientes com TBP, principalmente entre adolescentes (403/424 [95%]).

Comentários

De acordo com os pesquisadores, os resultados do presente estudo mostram a dificuldade em diagnosticar e tratar TBEP no Brasil. Eles também descreveram a associação entre TBEP e diagnósticos realizados fora da área de residência do paciente e pacientes transferidos para fora, sugerindo a busca de recursos adicionais durante o tratamento, representando perdas econômicas para a família, pois ela pode ter que se afastar ainda mais de casa para ter o diagnóstico ou para completar o tratamento.

O tempo do diagnóstico até a perda de acompanhamento foi semelhante, provavelmente porque os pacientes com TBP e algumas formas de TBEP enfrentam a mesma rotina de tratamento e desafios nas unidades de saúde, apontando que a TB como um todo é um grande desafio para a adesão ao tratamento.

Ao contrário de outros estudos, os pesquisadores não puderam estabelecer nenhuma associação de coinfecção TB-HIV. As razões prováveis são a exclusão de pacientes com TBEP associada a TBP e a proporção relativamente alta de pacientes sem teste de HIV. Esse dado é bastante preocupante, pois a coinfecção TB-HIV é um risco que promove maior morbidade e mortalidade.

É importante observar que, nesse estudo, os pacientes com TBEP tiveram um tempo maior desde a coleta da amostra até o início do tratamento, provavelmente pela maior complexidade diagnóstica. É possível que o tratamento tenha sido iniciado com base na história epidemiológica e exame clínico, principalmente nas crianças com menos de 10 anos de idade.

Um ponto de extrema relevância abordado pelos pesquisadores é que, desde 2002, o Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) recomenda o sistema de pontuação, validado nacionalmente, para diagnosticar TBP em crianças e adolescentes sem investigação laboratorial ou com investigação inicialmente negativa. Todavia, a baciloscopia de escarro foi realizada em menores de dez anos com os formulários TBP e TBEP, mesmo não sendo uma recomendação nacional e havendo a disponibilidade do Xpert, ilustrando desafios e controvérsias em torno da confirmação laboratorial em crianças. Apesar de totalmente disponível durante o período do estudo, o Xpert foi realizado em uma pequena parcela da população, o que, segundo os pesquisadores, pode refletir um período de adaptação às novas diretrizes do PNCT quanto ao seu uso, baixa confiança dos profissionais de saúde na metodologia, ou mesmo limitações associadas à técnica. Esse dado reforça a importância de amostras de boa qualidade em crianças para obtenção de resultados positivos, pois são paucibacilares e volumes adequados são difíceis, contribuindo para a dificuldade de diagnóstico. Dessa forma, profissionais de saúde bem treinados e materiais de alta qualidade são desejáveis, embora nem sempre disponíveis, e são tão importantes quanto a sensibilidade do teste para se obter resultados positivos.

A relevância desse estudo está no fato de que os seus resultados sugerem um atraso substancial no diagnóstico e posteriormente no tratamento, o que representa um desafio significativo para a redução da mortalidade por tuberculose. De fato, é inegável que a TBEP represente um desafio para os diagnósticos clínicos e laboratoriais que representam uma ameaça à mortalidade e morbidade devido ao atraso no início do tratamento. O estudo de Oliveira e colaboradores salienta as dificuldades no diagnóstico da tuberculose quando a apresentação é atípica ou em pacientes com formas paucibacilares. Além disso, apesar de o Xpert Ultra preencher uma lacuna importante no diagnóstico laboratorial das formas de TB paucibacilar, ele não conseguirá contornar o atraso clínico entre a identificação da TB e a confirmação e subsequente início do tratamento adequado.

Fonte: https://pebmed.com.br/dia-mundial-da-tuberculose-dificuldades-no-diagnostico-em-criancas-e-adolescentes/?fbclid=IwAR1AMXbc-l4sT8tM4VtE-sUiFUtc6opnSrI55xjgExUbCP3m9j5yk-bN1Tc

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