Publicação: 14 de fevereiro de 2019
Além de segura e eficaz, rifampicina é barata e está disponível universalmente pois já é usada no tratamento da tuberculose há mais de 50 anos
Em agosto de 2018, pesquisadores da Rede Brasileira de Pesquisas em Tuberculose (REDE-TB) publicaram, na prestigiosa revista New England Journal of Medicine, em conjunto com investigadores de outros 8 países, sob a liderança do Dr. Dick Menzies, da Universidade McGill, no Canadá, dois artigos1,2 sobre os resultados de dois ensaios clínicos, em crianças e adultos, comparando dois diferentes regimes de tratamento da infecção latente por M. tuberculosis (ILTB). Esses estudos têm potencial para constituírem uma mudança de paradigma no tratamento da ILTB e na eliminação da tuberculose.
Com efeito, projeções da Organização Mundial da Saúde mostram que não atingiremos as metas parciais e finais de eliminação da tuberculose caso não se previna a doença. Como não há ainda no horizonte uma vacina que previna a infecção ou o adoecimento (a BCG apenas reduz as formas graves da doença em crianças, reduzindo assim a mortalidade por tuberculose), a única forma de prevenção é o tratamento daqueles que estão infectados e têm alto risco de adoecimento. Embora o maior risco individual seja em crianças pequenas e pessoas vivendo com HIV/aids ou em uso de imunossupressores, o maior contingente de indivíduos de alto risco (portanto o maior risco atribuível) é entre contatos próximos de pessoas com tuberculose pulmonar bacilífera.
Há mais de meio século este tratamento era feito com isoniazida, por 6 a 9 meses, com elevada eficácia mas ao custo de taxas inaceitáveis de efeitos adversos. Além de longo, o tratamento resultava – e ainda resulta – em hepatotoxicidade por vezes fatal. Por se tratar de um tratamento preventivo ministrado a pessoas assintomáticas, a segurança é fundamental nesta condição. Na última década, alguns regimes mais curtos contendo rifamicinas foram testados. Nos estudos dos pesquisadores da Rede-TB, que envolveram mais de 1000 participantes no Brasil entre os mais de 6000 participantes, ficou demonstrado que 4 meses de Rifampicina é um regime mais seguro e tão eficaz quanto 9 meses de isoniazida. Nenhum regime testado anteriormente teve o mesmo resultado em termos de efeitos adversos. O regime constituído por rifapentina com izoniazida ministrado em 12 doses semanais, embora tenha a vantagem do reduzido número de doses a serem tomadas, obteve menos efeitos adversos hepáticos porém mais eventos adversos graves idiossincrásicos (alérgicos).
Além de segura e eficaz, rifampicina é barata e está disponível universalmente pois já é usada no tratamento da tuberculose há mais de 50 anos. Sua utilização para tratamento da ILTB não aumenta os riscos de surgimento de resistência. O Brasil já incorporou este regime para tratamento de crianças (há formulação em xarope muito bem aceita pelas crianças) e para pessoas com mais de 50 anos ou com doenças hepáticas. Resta agora expandir a recomendação para os demais grupos e superar as barreiras que antecedem a prescrição – e adesão – ao tratamento, tarefa complexa mas possível.
1. Menzies D, Adjobimey M, Ruslami R, Trajman A, Sow O, Kim H, et al. Four Months of Rifampin or Nine Months of Isoniazid for Latent Tuberculosis in Adults. N Engl J Med. 2018 02;379(5):440–53.
2. Diallo T, Adjobimey M, Ruslami R, Trajman A, Sow O, Obeng Baah J, et al. Safety and Side Effects of Rifampin versus Isoniazid in Children. N Engl J Med. 2018 02;379(5):454–63.