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História da tuberculose

No mundo

A tuberculose (TB) não tem bandeira, uniforme ou pátria. Acompanha o homem há muito tempo, talvez até, desde a época em que ele passava à condição de bípede. Existem relatos de evidência de TB em ossos humanos pré-históricos encontrados na Alemanha e datados de 8.000 antes de Cristo (AC). A TB de coluna vertebral e de ossos também já foi encontrada em esqueletos egípcios de 2.500 AC. Apesar da descrição clínica da forma pulmonar poder ser confundida com outras doenças, documentos antigos hindus e chineses já descreviam quadros de uma doença pulmonar muito semelhante a TB.

À medida que as tribos diminuem seu caráter nômade, criando aglomerados e aldeias, a doença (provável tuberculose) passa a ser mais citada e conhecida. Por ser a TB transmitida de pessoa para pessoa por via aérea (contágio ocorre através do ar), quanto maior o número de pessoas em áreas fechadas, maior a possibilidade de contaminação.

Em várias civilizações antigas, os males, entre eles a TB, eram considerados resultado de castigo divino. Coube a Hipócrates, na Grécia em XXX AC, o entendimento de que a TB era uma doença natural e que, pelo seu caráter de esgotamento físico, passou a denominá-la de Tísica (do grego phthisikos, ou seja, que traz consumpção).

Entre os romanos a TB era relativamente comum e citada nos escritos de Plínio, o Velho, de Galeno e de Areteu da Capadócia (do tempo de Imperador romano Nero, mais conhecido por sua lendária atuação no incêndio de Roma). Nesta época foram descritos os hábitos tísicos e as possibilidades de cura por repouso e climas melhores, assim como foi sugerido tratamento para os sintomas, que também foram estudados nas escolas médicas árabes nos séculos seguintes.

Enquanto os povos aumentavam seus domínios com as guerras, levavam ou entravam em contato com o bacilo da TB. Assim, a doença prosseguiu se espalhando mundo afora, mercê conseqüência das conquistas e da miséria que e guerra trazia. Isto deve explicar, por exemplo, os relatos de casos de TB entre os romanos referidos acima.

Nos séculos XIV e XV os médicos da região que hoje corresponde à Itália, começaram a demonstrar a possibilidade de contágio da TB entre as pessoas e procuraram criar condições de profilaxia da doença, ou seja, a partir do isolamento dos doentes e dos seus pertences, tentam evitar a disseminação da doença e as conseqüentes epidemias. Sabia-se muito pouco sobre a TB deste final de Idade Média até o início de Renascentismo florentino, por volta do século XVI. Nesta época um fato histórico interessante, era o da cura da TB ganglionar através do toque do Rei. Nesta forma de doença, os linfonodos (conhecidos como ínguas pela população), principalmente localizados no pescoço e nas virilhas, se fistulizam, ou seja, criam espontaneamente pequenos orifícios que permitem a drenagem ou saída de material caseoso (um tipo de pus) do seu interior. Assim, os pacientes portadores desta forma de TB se dirigiam uma vez por ano, em uma data determinada, aos reis da França e da Inglaterra para receberem o toque real, acompanhado de orações feitas pelos próprios reis ou por Cardeais que os serviam. Desta forma foi criado o mito da doença real, que se prolongou até o final do século XVIII. O mais curioso, é que muitos pacientes realmente melhoravam. O motivo alegado, porém não comprovado, é que a higiene e o asseio realizado no local da fístula, que precediam o toque real, poderiam de alguma forma exercer algum efeito terapêutico na TB ganglionar.

TB era associada às almas tristes e poéticas. Nesta época, é freqüente a referência da TB entre literatas, poetas, músicos e escritores. É a época de morrer cedo, de morrer jovem.

A partir dos séculos XVII e XVIII, surge o estudo da Anatomia (através de autopsia dos pacientes) por parte de nomes como Manget, Morton e posteriormente Morgani. Com a identificação de estruturas, principalmente no pulmão do doentes, com aspecto de tubérculos nas vísceras dos tísicos vitimados pela doença, a TB passa a ser melhor compreendida e recebe finalmente o seu nome atual.

No século XVIII as cifras de mortalidade por TB eram muito elevadas e rígidas medidas foram adotadas para combater a Peste Branca (nome adquirido em contraponto a Peste Negra ou Bubônica, que cursava com lesões de pele e que, depois soube-se, era transmitida pelas pulgas dos ratos). Em 1750, na Europa Ocidental, a TB chegou apresentar taxas de 200 a 400 óbitos por 100.000 pessoas por ano. Assim, Fernando VI, rei de Espanha, proclama em 1751 uma lei que obrigava os médicos a informarem às autoridades de saúde todos os casos de tuberculosos. Assim, os que adoeciam eram afastados da coletividade e os que faleciam tinham todos os seus pertences incinerados. Estas medidas vigoraram por muitos anos e Frederic Chopin, célebre compositor, foi uma de suas vítimas. Este compositor, estando nas ilhas Baleares na baía de Valdemosa, onde convalescia da doença, foi expulso por soldados que o colocaram em um barco de transporte de porcos e foi levado como portador da terrível peste até a ilha de Majorca. Parece que apesar da crueldade, Frederic Chopin se beneficiou da bela paisagem para nesta época compor alguns dos seus belos prelúdios.

É importante entender que o século XVIII corresponde a um momento sócio econômico especial na história da humanidade. A fase pré-capitalista do século XII ao XV, evoluíra para a utilização de bens de consumo para a troca. Os trabalhadores passam a vender, não mais o seu trabalho, mas sim, o produto do seu trabalho. A partir do século XVI começa a se generalizar a idéia de troca de trabalho por remuneração, ou seja, por salário, e não mais por produtos. Este processo alcança o seu apogeu justamente nesta época, a segunda metade do século XVIII, com a Revolução Industrial da Inglaterra. É quando se instala claramente a diferença entre os poucos possuidores dos meios de produção e os exércitos de trabalhadores. Os artesãos e as pequenas manufaturas começam a falir e todos passam a ser operários de fábricas. Os latifúndios crescem cada vez mais e os camponeses são empurrados das terras para os centros onde se localizam as chances de emprego, os centros urbanos. Ocorre o êxodo rural e ao conseqüente barateamento da mão de obra, as grandes cidades e centros urbanos se incham e empobrecem, com o aviltamento cada vez maior das condições sanitárias e alimentares. Na sua trajetória de companheira do homem nos momentos difíceis, a TB começa a grassar de maneira impiedosa nestes locais.

A partir de 1800 começa uma nova época no entendimento da TB. Em 1865 Villemin estuda a inoculação em cobaias de material retirado de tubérculos obtidos de seres humanos e em 1882, Robert Koch, em Berlim, Prússia, descobre seu agente causador, o bacilo da tuberculose, também chamado hoje de bacilo de Koch. Em 1885 Roentgten com suas descobertas traz grandes progressos para o diagnóstico e acompanhamento da tuberculose através da radiografia. É a época do grande adoecimento pela TB, mas também dos grandes descobrimentos, mas ainda quase nada se sabe sobre o seu tratamento. Discute-se a necessidade absoluta do isolamento dos pacientes em sanatórios, com repouso total e os climas de montanha e marítimos, além de exposição ao sol, bem como a boa alimentação. Os medicamentos são a base de quinino, creosoto, enxofre, cálcio e preparados de ouro e bismuto. A necessidade de internação dos doentes pode ser observada pelos dados de que em 1939, a França, dispunha de 30.000 leitos para TB em 189 sanatórios e 20.000 leitos em hospitais sanatórios. Surgem as grandes estâncias climáticas na Europa, na Côte D’Azur, nos Alpes etc, já precedidas das instalações do Centro de Pesquisa em Davos na Suíça.

Até a década de 40, o tratamento da TB era basicamente repouso e boa alimentação nos sanatórios. Também eram tentados tratamentos cirúrgicos como por exemplo a ressecção (retirada) de pedaços de pulmão com TB. A injeção de ar no espaço pleural (espaço entre o pulmão e a parede do tórax) promovendo o pneumotórax era outra tentativa com algum sucesso. Entretanto, a partir de 1940 começam a surgir os antibióticos e os quimioterápicos que iriam trazer finalmente a cura da TB, nos anos seguintes. A estreptomicina é descoberta em 1944 e a isoniazida, descrita desde 1912, tem sua eficácia contra a tuberculose demostrada em laboratório em 1945. A peste branca começa a ser efetivamente enfrentada. Na década de sessenta é instituído o esquema definitivo, usando três antibióticos ao mesmo tempo, que consegue curar 95% dos pacientes que utilizaram estes medicamentos diariamente por 18 a 24 meses durante sua internação nos sanatórios. O crescimento do saber levou as nações desenvolvidas a acreditar que no fim do século XX a TB estaria, senão erradicada, pelo menos confinada aos países pobres. Entretanto, os intensos movimentos migratórios populacionais, o desmantelamento dos sistemas de saúde pública , a crise social/financeira mundial e o advento da AIDS puseram por terra este sonho. A TB acompanha a evolução do homem e, enquanto houver miséria e mísseis, ela estará presente.

Nas Américas

Nas Américas existem citações de achados compatíveis com TB em múmias pré – colombianas. Entretanto, foi com a chegada dos europeus que a doença realmente se manifestou, de forma grave e aguda entre os ameríndios. Assim, temos os relatos do acontecido com os índios norte americanos quando privados de sua liberdade e confinados em reservas: uma taxa de mortalidade 100 para cada 10.000 índios vivos em 1881, de 900 em 1886 e de 1.400 posteriormente. Morriam de doença disseminada em todo organismo em um intervalo de tempo que variava de três a nove meses.

No Brasil, a chegada dos missionários trouxe também a disseminação da TB entre os índios. Vários religiosos morreram de ou com TB como Manoel de Nóbrega, Francisco Pirra, José de Anchieta e Gregorio Serrão, entre outros. O padre Manoel de Nóbrega, em carta enviada ao seu Provincial Miguel Torres em 1557, descreveu seu males: “A mim devem-me já ter por morto, porque ao presente fico deitando muito sangue pela boca”. Em outubro de 1570, viria a morrer de hemoptise maciça. Nos primórdios da colonização do Brasil, as referências a TB eram escassas. A sífilis, doença sexualmente transmissível, também trazida pelos europeus, era a maior causa de adoecimento entre os índios, os negros e os brancos. Segundo Gilberto Freyre, em Casa Grande e Senzala, “A sifilização do Brasil resultou, ao que parece, dos primeiros encontros, alguns fortuitos, de praia, de índias com os europeus: portugueses, franceses e espanhóis. Principalmente de portugueses e franceses. Degredados, cristão novos, traficantes nômades de madeira de tinta, que aqui ficavam, deixados pelos seus para irem se acamaradando com os indígenas”. Alguns relatos da TB na fase colonial, procuram associar a doença a fatores de clima como por exemplo Jonh Martius, comparando São Paulo com o Rio de Janeiro afirma que “aqui” (no Rio) as doenças mais comuns são as reumáticas, os estados inflamatórios principalmente nos olhos, no peito, no pescoço e subsequente tísica pulmonar e traqueal”. Para Gilberto Freyre, entretanto, a presença da TB mais freqüente no Rio que em São Paulo, era decorrente mais da alimentação inadequada da população escrava dos latifúndios de monocultura, pois os negros que vieram trazidos para as senzalas não conheciam a TB, sendo contaminados pelos seus senhores. Em 1835 o Dr. José Jobim faz referência ao trabalho forçado nas cidades e a má alimentação como responsável pelo predomínio de várias moléstias entre os operários e escravos domésticos no Rio de Janeiro, como “sífilis, reumatismo, e … tubérculos pulmonares”. Também no Brasil, a exemplo do resto do mundo, a medida que a Revolução Industrial progredia, levando ao crescimento desordenado das cidades e agravamento da pobreza, a TB prosseguia crescendo. A abolição da escravatura, que troca a “proteção” da senzala pela “liberdade” sem apoio para o trabalho e sem salário para a comida, através da marginalização social aumenta a freqüência da TB nos grandes centros brasileiros. Dados referidos pelo professor Clementino Fraga Filho, referentes a 1860, pouco antes da abolição da escravatura, mostram que a mortalidade no Rio de Janeiro era de 1.200 por 100.000 habitantes. “Para isto contribuíram certamente as desfavoráveis condições sociais e de higiene da cidade naquela época, além da menor resistência dos negros escravos, que ofereciam à infecção terreno virgem e, pois, altamente sensibilizado”. Do mesmo autor temos os dados de 1929, em que calcula a existência de 23.000 casos de TB no Rio. Admitia, entretanto, ser esta uma estimativa provavelmente bem inferior a real.

Seguindo a evolução médica européia, o Brasil também desenvolveu as suas estâncias climáticas com grande número de Sanatórios que ficaram famosos, em cidades como São José dos Campos, Campos de Jordão, Correias, Friburgo, etc. Aos poucos, a luta contra a TB começa a ser articulada e, em 1900 é criada a Liga Brasileira Contra a Tuberculose, e em 1927 são criados os primeiros preventórios para filhos de tuberculosos. É criada a seguir a Inspetoria de Profilaxia de Tuberculose e, em 1930, o Ministério de Educação e Saúde Pública. Com isto, é aumentada a ação do estado contra a TB. Em 1941 é constituído o Serviço Nacional de Tuberculose e em 1942 é lançada a Campanha Nacional contra a Tuberculose. Como a cura da TB com os medicamentos fora obtida na década de 60, os organismos internacionais propuseram que as atividades de controle da TB deveriam ser centralizados no Estado. Em razão disso, a partir de 1970 é instalado o controle estatal total sobre a doença através da Divisão Nacional de Tuberculose, transformada em 1976 em Divisão Nacional de Pneumologia Sanitária (DNPS). Os esforços através de cursos para as equipes de saúde, de normas de atendimento e tratamento e, principalmente com a distribuição gratuita dos remédios utilizados para o tratamento em todo o país e para todos os que padeciam desta doença, trouxeram efeitos excelentes no controle da TB. Inúmeros sanatórios foram fechados e o tratamento passou a ser feito de forma organizada e praticamente em sua totalidade em Postos de Saúde das Secretarias Municipais ou Estaduais de Saúde, ficando reservada a internação em poucos hospitais (ex-Sanatórios) apenas para os casos considerados especiais. Entretanto, a partir de 1990, vários fatores concorrem para que a TB fuja novamente ao controle não só no Brasil, mas em todo o mundo.

Em 1993 a Organização Mundial de Saúde (OMS) resolve classificar a TB de doença re emergente, embora no dizer do professor Ruffino Netto, no Brasil ela seja “ficante”, pois sempre esteve presente, em menor ou maior escala. Organismos internacionais (Organização Mundial da Saúde, União Internacional contra a Tuberculose) propõem uma urgente reavaliação das atividades usadas no controle da tuberculose, principalmente nas grandes cidades. Estudos realizados nos últimos anos, mostram que o conjunto de ações e atividades utilizados para o controle da TB numa região, é a intervenção que mais traz retorno a sociedade quando comparada com recursos dispensados no controle de outras doenças infecciosas. O controle da TB traz enormes repercussões econômico-sociais, pois ao evitá-la, milhares de pessoas em idade produtiva deixarão de ser afetadas, continuarão a trabalhar e deixarão de contaminar suas famílias, amigos e/ou companheiros de trabalho, de enfermaria nos hospitais ou albergues e de celas nas prisões.

No final de década de 80, e início da década de 90, o Sistema Único de Saúde (SUS) adotado no Brasil está baseado em três pilares: equidade; universalidade e integralidade. No entanto, a descentralização teve, inicialmente, um impacto negativo nas ações de controle de TB e de outras endemias devido a não preparação da esfera municipal para assumir novas responsabilidades e não repasse de recursos humanos e financeiros necessários para cobrir a precariedade existente de sua estrutura técnico-administrativa voltada à prestação de serviço. O sistema de financiamento das ações não foi direcionado a induzir a maior integração dos distintos níveis de complexidade da atenção, bem como entre as diferentes esferas de atuação: federal, estadual e municipal (Almeida,2003, Kritski & Ruffino, 2000). Neste contexto, onde os sanatórios de TB foram fechados nas décadas de 70 e 80, e como a prioridade dada fora para as ações na Atenção Básica, os Programas Municipais de Controle de TB ficaram responsáveis pelo controle ambulatorial da TB sem ter gerenciamento sobre o controle desta em hospitais, em emergências, em prisões, ou albergues.

No Brasil, até 1990 o número de casos de TB por ano vinha caindo na 2% a 4%. Entretanto, e nos últimos anos, esta taxa de redução anual diminuiu para 0,4% ao ano. Os motivos do aumento dos casos de TB no nosso país tem vários motivos. A reestruturação no Ministério da Saúde promovendo a extinção da DNPS, em 1990, foi um fator. A crise sócio econômica que atingiu nossa população com a conseqüente piora nas condições de vida, aumento da pobreza e piora das condições de moradia (aglomeração em favelas) foi outro. Na década de 90, observou-se também o aumento de casos de TB em regiões do Brasil, principalmente regiões urbanas com um aumento concomitante da infecção pelo vírus da AIDS na população geral. E para piorar este quadro, observou-se taxas elevadas de TB resistente aos medicamentos usuais, em pacientes com tuberculose atendidos em hospitais gerais, frequentemente associada a AIDS e/ou outras doenças que diminuem imunidade, tais como cancer, transplante, uso de corticosteroide.

TB NO MUNDO – FINAL DÉCADA DE 90

Apesar de muitos acreditarem que a tuberculose (TB) estava sob controle, nos últimos anos observou-se em várias regiões do globo, um aumento do número de casos de TB, e de TB associada ao HIV. Em 2006, a taxa de incidência da TB continuava aumentando na África, Região do Mediterrâneo Oriental e Ásia (região leste-sul). Essas observações foram atribuídas ao impacto da epidemia de HIV/AIDS, à deterioração das condições sócio-econômicas e à desestruturação dos sistemas de saúde, principalmente em grandes metrópoles de países em desenvolvimento. A elevada taxa de mortalidade é resultante do retardo diagnóstico, uso inadequado dos medicamentos e de sua elevada transmissão em locais com pouca ventilação (ambulatórios, hospitais, prisões, asilos para pessoas idosas ou albergues para indigentes), onde usualmente não há cuidados adequados de biossegurança.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que um terço da população mundial esteja infectada por M. tuberculosis (M. tb); anualmente, ocorrem cerca de 9,2 milhões de casos novos de TB. São identificados 5 milhões de casos novos soropositivos para o HIV; sendo a maior causa de morte por doenças transmissíveis no mundo. Estima-se que em 2002 morreram 3.100.000 pessoas com HIV/SIDA. Diversas evidências sugerem que a co-infecção TB/HIV é responsável pelo aumento na incidência de TB em várias regiões do mundo. Em 2004, 13% dos adultos com TB estavam infectados por HIV, com grandes variações de percentuais entre as regiões. Por meio de dados de vigilância epidemiológica estima-se que em 2005, em domínio mundial, houve um total de 1,6 milhões de mortes por TB, e destes, 195.000 pacientes estavam infectados por HIV.

Em relação ao impacto da TB na epidemia HIV/AIDS, as informações são escassas. Globalmente, em 2004, estimou-se que a TB esteve associada a 8% dos óbitos ocorridos em pacientes HIV positivos. Estudos de autopsia têm demonstrado que a TB é responsável por 33% dos pacientes HIV positivos que falecem, mesmo entre aqueles que foram submetidos ao tratamento anti-retroviral de elevada eficácia (HAART). Isto decorre da baixa sensibilidade do exame de escarro (baciloscopia) em pacientes infectados por HIV e pela baixa prioridade dada ao diagnóstico micobacteriológico nas Unidades de Saúde de referência, nos países em desenvolvimento, visto que a positividade da baciloscopia no escarro tende a ser inferior (20%- 50% versus 60%-65% nos pacientes não infectados por HIV). Além disso, a apresentação clínica acarreta dificuldades diagnósticas e o retardo no inicio do tratamento medicamentoso. Sobrevém ainda um aumento na morbi/letalidade por TB nestes pacientes, e também o risco de transmissão de Mtb em ambientes hospitalares ou em prisões. Em países em desenvolvimento, mesmo em regiões onde foi adotado o esquema HAART, a TB é a maior causa de mortalidade entre pacientes infectados por HIV.

Em paralelo a epidemia de HIV/AIDS, no final da década de 90 observou-se um aumento de TB resistente no leste europeu, principalmente em prisões. Nos últimos anos, por meio de inquéritos nacionais realizados em diferentes países, confirmou-se a emergência dos casos de TB resistente e a propagação destas cepas de Mtb resistentes tem sido um dos maiores obstáculos enfrentados por programas nacionais de controle da tuberculose (PNCTs). As estimativas recentes prevêem que 424.000 (IC 95%: 376.000-620.000) casos novos de TB-MDR apareceram em 2006 que representam um aumento nas estimativas prévias e uma tendência de aumentar potencialmente o número de casos de TB-MDR em nível global.

Recentemente, verificou-se a ocorrência de cepas XDR-TB em um surto em hospital de Tugela Ferry, um distrito rural na província de Kwa-Zulu-Natal, África do Sul (Gandhi, 2006). Cepas MDR-TB foram diagnosticadas em 221 de um total de 1539 pacientes investigados em um período de 15 meses (2005 – 2006). Destes 221, 53 (23,9%) foram caracterizadas como XDR-TB, sendo que 55% dos pacientes nunca foram submetidos a tratamento para TB, e 67% tiveram uma admissão hospitalar recente. Entre os 53 pacientes com TB-XDR, 44 (83%) apresentaram com co-infecção por HIV e 52 (98%) evoluíram a óbito, com média de 16 dias a partir da data do diagnóstico mesmo com o tratamento antiretroviral. Estudos de genotipagem indicaram que 85% dos pacientes apresentavam cepas com alta similaridade genética (Gandhi, 2006, Martin & Portaels, 2007).

O surto verificado na África do Sul é um pequeno exemplo da gravidade e urgência em relação à ocorrência de cepas MDR/XDR-TB em países em desenvolvimento. A transmissão hospitalar e em prisões entre pacientes com AIDS e a ausência de medidas de biossegurança reproduzem as características principais de surtos de MDR-TB relatados. O risco de transmissão dessas cepas para profissionais de saúde, e subseqüentemente para a população em geral conflitam com as políticas e medidas de controle da doença.

Com o objetivo de detectar 70% dos casos de TB e curar 85% daqueles identificados, modelos variados de tratamento supervisionado (DOT) incluídos na estratégia DOTS proposta pela OMS em 1993 foram mundialmente adotados na última década. A estratégia DOTS proporcionou a elevação das taxas de cura em diversos lugares, entretanto, ela tem obtido variável e limitado sucesso em reduzir as taxas de incidência da TB e de resistência aos fármacos anti-TB, nos países em desenvolvimento, principalmente em grandes metrópoles e em locais com elevada prevalência de infecção pelo HIV. Em 2005, peritos da OMS, por meio de modelagem matemática, avaliaram o impacto na queda de mortalidade associada a TB, no período de 2002 a 2030, com aumento da efetividade de diferentes intervenções: a) cura, b) detecção, c) tratamento para TB latente e d) uso de terapia anti-retroviral de elevada eficácia (HAART) com aderência superior a 80%. Aumento na detecção de caso seguido de tratamento medicamentoso adequado foi a mais importante. Tornou-se consenso nos últimos anos que a epidemia de TB nos países em desenvolvimento demanda a avaliação de abordagens mais amplas, adicionais à estratégia DOTS, descritas no Plano STOP-TB/OMS de controle mundial de TB para 2006-2015. Entre elas, têm-se priorizado a realização de: a) aumento de detecção de casos na comunidade e nas diferentes unidades de saúde, utilizando diferentes estratégias: b) inclusão de atividades interativas de controle de TB e HIV; c) monitoramento e controle da TB multirresistente; d) empoderamento das comunidades e organizações não governamentais nas ações de controle da TB; e) promoção de pesquisas clínicas, operacionais e de sistemas que apontem atividades de controle de TB mais efetivas nos diferentes cenários culturais, antropológicos, clínicos e epidemiológicos.

Em razão do baixo nível de conhecimento sobre tuberculose na sociedade, é elevado o tempo decorrido entre o início dos sintomas e procura por auxílio no sistema de saúde (diagnóstico tardio associado ao paciente). Além disso, mesmo em regiões onde a estratégia DOTS foi implantada, é elevado o retardo diagnóstico da tuberculose na Unidade de Saúde, postergando o início do tratamento anti-TB, aumentando a transmissão da doença (diagnóstico tardio associado ao Sistema de Saúde). As conseqüências do diagnóstico tardio se refletem não apenas no agravamento da doença como também no aumento da letalidade (mortalidade). Cada doente não detectado tende a infectar de oito a 15 pessoas por ano. Ademais, devem ser consideradas as seqüelas e os dias de afastamento do individuo como força de trabalho atuante.

TB NO BRASIL – FINAL DÉCADA DE 90

No final da década de 90, no Brasil, o diagnóstico dos casos novos de TB deveria ser feito ambulatorialmente. Entretanto, em grandes metrópoles, isto não ocorreu: no Rio de Janeiro no período de 1998 a 2004, 28 a 33% destes foram notificados em hospitais enquanto que em São Paulo, em 2005, 42% em pronto-socorros ou hospitais e se for considerado pacientes HIV positivos, 52 % em pronto-socorros ou hospitais (Boletim Epidemiológico Paulista, 2006). A ausência da busca ativa de casos nas Emergências aumenta o risco de transmissão da TB em nível intra-hospitalar devido ao retardo no diagnóstico e no início do tratamento adequado. Além disso, em nosso meio, mesmo com a disponibilização de tratamento anti-retroviral de elevada eficácida para os pacientes HIV positivos, a grande maioria dos casos de óbitos associados a TB e/ou TB/HIV ocorre em hospitais de grandes metrópoles, locais sem ações coordenadas de controle de TB e TB/HIV (Selig, 2003). Apenas recentemente, a transmissão da TB em hospitais, prisões, albergues passou a ser considerada uma realidade em nosso meio.

Um estudo longitudinal sobre o risco ocupacional em profissionais de saúde (PS), realizado em hospitais de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte foi publicado recentemente, o qual demonstrou uma elevada taxa de positividade de reação à prova tuberculínica-PT (63,1%) e de conversão (10,7/1000 p-m) (Roth, 2005). Constatou-se que a taxa de conversão da PT (infecção por TB) foi maior naqueles hospitais que não adotavam nenhuma medida de controle de infecção preconizada. A presença de co-morbidades nos pacientes internados sem medidas adequadas de biossegurança aumenta o risco de transmissão intra-hospitalar e surtos hospitalares. Num estudo recente no Japão, 32% dos pacientes internados apresentaram TB associada a doenças malignas, gastrointestinais e psicossomáticas, com retardo no diagnóstico e apontava para a necessidade de treinamento em TB para todas as especialidades (Kekkaku,2005).

Outro ponto que deve ser abordado em nosso meio é a questão da TB resistente e/ou multirresistente (MDR) nos hospitais: a retaguarda laboratorial para o diagnóstico destes casos; as condições inadequadas de biossegurança; e o risco de surtos hospitalares por TB-MDR. Num inquérito de resistência recentemente realizado em seis hospitais do Rio de Janeiro, a taxa de TB-MDR primária foi de 3,9% (enquanto que nas Unidades Primárias de Saúde tende a ser inferior a 1%) e a resistência associou-se significativamente com a internação prévia em hospitais e com história de tratamento anterior; e, a multirresistência, com história de tratamento anterior para TB.

No cenário atual, percebe-se baixa prioridade e ausência de legislação apropriada para que sejam efetivadas as ações de controle de TB em ambientes fechados (hospitais, emergências, prisões, albergues) e a adoção de um sistema efetivo de referência e contra-referência entre as Unidades da Atenção Básica e as Unidades de Saúde de referência ou de maior complexidade.

FONTE: Conde MB, Souza GM, Kritski AL. Tuberculose sem medo. Editora Atheneu. 1ª ed. São Paulo: 2002.