Tuberculose preocupa e afeta classes sensivelmente prejudicadas pela covid
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Recentemente, atendemos na triagem de pessoas com sintomas respiratórios da UBS (Unidade de Saúde Básica) em que trabalho a um jovem de 16 anos. Sua queixa principal era uma tosse persistente que já o acompanhava há três meses; havia sido internado em janeiro por um quadro de pneumonia e desde lá, a tosse nunca mais o abandonou.
No início o rapaz não se preocupou. Era só uma tosse, logo iria passar. Procurar uma unidade de saúde estava fora de cogitação: o medo da covid-19 superava em muito o incômodo que aquela tosse irritante produzia. Mas a tosse não passou e o rapaz começou a apresentar febre em alguns dias da semana. Seria a pneumonia voltando?
Após conversarmos um pouco mais, descobrimos que este jovem também estava perdendo peso, o que direcionou nossas suspeitas para uma possível culpada: a tuberculose (TB).
Apesar de o último boletim do Ministério da Saúde, de abril deste ano, ter sinalizado uma queda de 9,5% nos novos casos de tuberculose no Brasil em 2020, isso pode ter ocorrido mais pela redução no número de testes feitos em sintomáticos respiratórios (com tosse maior ou igual a três semanas) do que por uma “trégua” na cadeia de transmissão. De igual modo, medidas como o uso de máscaras podem ter contribuído para a redução da transmissão, mas ainda não há dados que corroborem essa tese.
O que sabemos com certeza é que a tuberculose é um grave problema de saúde pública no país, tendo sua propagação uma estreita relação com determinantes sociais sensivelmente afetados pela pandemia, como a pobreza, desnutrição, desemprego e más condições de moradia. Levando isso em conta, é mais provável que tenhamos muitos indivíduos sem diagnóstico, sustentando a cadeia de transmissão.
Mas voltemos ao caso que lhes contava.
Após realizar o teste de escarro (baciloscopia), o diagnóstico de tuberculose pulmonar foi confirmado. Ali se iniciava um processo de acompanhamento contínuo de pelo menos seis meses, que envolveria não só aquele jovem, mas também seus familiares e contatos próximos. É preciso investigar, diagnosticar e tratar outros possíveis casos de tuberculose ativa entre os contatos, assim como os casos de infecção latente (sem sintomas). Só assim é possível interromper a cadeia de transmissão.
Ao informar o diagnóstico, fui surpreendido com algumas dúvidas por parte do jovem e seus familiares. Aquilo me fez perceber que, apesar de se tratar de uma doença milenar e de todo o trabalho de educação desenvolvido pelas equipes de saúde, ainda há muitos mitos e preconceitos envolvendo a tuberculoses. Decidi colocar essas perguntas aqui, pois podem ajudar a outras pessoas. Vamos lá.
“Eu não fico doente com frequência. Sou saudável, me alimento bem. Como pude pegar tuberculose?”
A doença é causada por uma bactéria (bacilo de Koch), transmitida de pessoa para pessoa pelo ar. Quando uma pessoa doente fala, tosse ou espirra, elimina gotículas que se transformam em aerossóis, ficando suspensas no ar por horas. Você respira esse ar e é infectado. Mas isso não significa que ficará doente. Na grande maioria das vezes, seu sistema imunológico consegue conter a infecção, deixando-a “adormecida”. Uma vez que sua imunidade cai –por exemplo, quando tem pneumonia– a bactéria “se liberta” e causa a doença.
“Vou ter que ficar seis meses sem contato com ninguém? Vamos ter que separar copos, talheres e pratos?”
Você não precisará ficar isolado. Estima-se que após 15 dias de tratamento a tuberculose não é mais transmitida, mas recomendamos o uso de máscara até seu exame de escarro vir negativo. Também não é preciso a pessoa doente ter copos e talheres só para ela. A quantidade de bacilos presentes nesses utensílios dificilmente forma aerossóis e não contribui ativamente no contágio –mas é muito importante lavar as louças e talheres antes de outra pessoa usar, óbvio.
“Em casa não há mais ninguém com sintomas. Por que todos precisam fazer exames?”
Como eu havia dito, nem todos os infectados ficam doentes. Isso é o que chamamos de infecção latente. Caso algum de vocês apresente essa condição, também será tratado —o tratamento é diferente do das pessoas com doença ativa, mas também dura pelo menos 6 meses. Isso evitará que você adoeça e transmita a doença.
“E se eu não terminar o tratamento, o que acontece?”
Isso pode fazer com que o bacilo se torne resistente aos medicamentos que usamos, provocando o que chamamos de tuberculose multidroga resistente. Com isso, os medicamentos e o tempo de tratamento mudam (podendo chegar a dois anos em alguns casos) e as chances de cura diminuem bastante. Ainda que o tratamento seja longo e que experimente uma melhora logo no início, termine-o.
Qualquer um pode ter tuberculose
Ainda que esteja associada à pobreza e à vida boêmia —dando a falsa sensação de proteção a quem não pertence a esses grupos—, a tuberculose é uma doença universal: pode acometer qualquer pessoa, de qualquer classe social e qualquer idade. Tem tratamento efetivo e totalmente gratuito, disponibilizado apenas pelo SUS!
Está tossindo há três semanas ou mais? Pode ser tuberculose! Não negligencie esse sintoma. Procure uma unidade de saúde e realize a baciloscopia. Somente com o diagnóstico oportuno e tratamento adequado podemos alcançar a cura e diminuir a cadeia de transmissão.
Ninguém precisa morrer por uma doença que tem cura!