
Infância e adolescência na mira da tuberculose: avanços e desafios no combate à doença
De acordo com os coordenadores da área de TB pediátrica da REDE-TB, a descentralização do diagnóstico para unidades de Atenção Primária à Saúde (APS) tem sido uma conquista significativa
Por décadas, a tuberculose (TB) na infância e adolescência permaneceu fora do radar das políticas públicas. Apenas em 2011 a carga global da doença nessa faixa etária começou a ser estimada, marcando o início de uma mobilização tardia, mas necessária. Contudo, desafios persistem. A definição da Organização Mundial da Saúde (OMS) para TB pediátrica, que considera a faixa de 0 a 14 anos, exclui os adolescentes entre 15 e 19 anos. Essa lacuna, aliada à falta de dados desagregados por faixas etárias (10 a 14 e 15 a 19 anos), dificulta a compreensão do impacto real da doença em jovens.
Os números são alarmantes. Em 2023, a OMS estimou que 1,3 milhão de crianças e adolescentes com menos de 15 anos desenvolveram TB, representando 12% dos casos globais. Destes, 191 mil perderam a vida, somando 15% das mortes por TB no mundo. Além disso, metade das crianças e adolescentes com TB não foram diagnosticados nem tratados, com índices ainda mais elevados (60%) entre menores de cinco anos. No Brasil, os dados notificados também revelam desafios: em 2023, dos 80.012 casos registrados, apenas 3,6% envolviam crianças e adolescentes entre 0 e 14 anos – um percentual bem inferior ao estimado globalmente pela OMS.
“Os números são alarmantes. Em 2023, a OMS estimou que 1,3 milhão de crianças e adolescentes com menos de 15 anos desenvolveram TB, representando 12% dos casos globais. Destes, 191 mil perderam a vida, somando 15% das mortes por TB no mundo.”
Esses números reforçam a necessidade urgente de novas abordagens diagnósticas e terapêuticas que garantam a identificação precoce da doença e reduzam sua morbimortalidade. Para discutir os avanços e perspectivas no combate à TB em crianças e adolescentes, especialistas da REDE-TB (Anna Cristina Calçada Carvalho – IOC/Fiocruz; Betina Mendez Alcantara Gabardo – UFPR; Maria de Fátima Pombo Sant’Anna – UFF; Rafaela Baroni – IPPMG/UFRJ; Tony Tannous Tahan –UFPR),compartilharam insights e reflexões.
Avanços no diagnóstico e tratamento
De acordo com os coordenadores da área de TB pediátrica da REDE-TB a descentralização do diagnóstico para unidades de Atenção Primária à Saúde (APS) tem sido uma conquista significativa. O uso do sistema de pontuação do Ministério da Saúde, que combina dados clínicos, epidemiológicos e radiológicos, ajuda a superar as dificuldades diagnósticas em crianças, muitas vezes paucibacilares. Tecnologias como o teste rápido molecular em amostras de fezes e ferramentas de detecção assistida por computador (CAD) mostram potencial promissor, embora estudos em crianças ainda estejam em fases iniciais.
No campo terapêutico, um avanço importante é o tratamento encurtado para casos de TB não grave em crianças e adolescentes, que reduz a duração de seis para quatro meses. Paralelamente, estratégias de rastreamento e tratamento preventivo para contatos expostos, especialmente menores de cinco anos, são vistas como cruciais para reduzir a incidência.
Pesquisas em destaque no Brasil
Entre os estudos em andamento no país, o Projeto TB PED, liderado pelo Hospital Moinhos de Vento em parceria com o PROADI/MS e REDE-TB, investiga a prevalência de TB ativa em crianças menores de 15 anos usando o teste Xpert MTB/RIF Ultra. Os resultados iniciais indicam prevalências de 22% em pacientes ambulatoriais e 4,5% em hospitalizados, com taxas de confirmação microbiológica de 21% e 68%, respectivamente.
Outro estudo, conduzido em colaboração com a OMS e a McGill University, avalia novos algoritmos diagnósticos em crianças brasileiras. Já um terceiro projeto, financiado pelo CNPq e FAPERJ, analisa a acurácia do teste molecular Truenat em crianças e adolescentes com TB presumida.
Desafios e colaborações interdisciplinares
Os desafios são inúmeros, principalmente em áreas vulneráveis. A capacitação de profissionais de saúde, desde a graduação, é apontada como fundamental para garantir diagnósticos precoces e evitar atrasos. Além disso, melhorias nas formulações de medicamentos, com sabor e textura mais agradáveis para crianças, podem aumentar a adesão ao tratamento.
O trabalho em rede é essencial. A integração de especialistas em biologia, medicina, políticas públicas e outras áreas favorece estratégias mais eficazes para o controle da TB. Parcerias com programas de saúde do adulto e apoio social também são cruciais para garantir que jovens pacientes concluam seus tratamentos e retomem suas vidas, minimizando o impacto do isolamento e do estigma.
“Os desafios são inúmeros, principalmente em áreas vulneráveis. A capacitação de profissionais de saúde, desde a graduação, é apontada como fundamental para garantir diagnósticos precoces e evitar atrasos.”
Um olhar para o futuro
O futuro da saúde infantil depende diretamente de ações voltadas para o diagnóstico precoce e tratamento de adultos com TB pulmonar, principais transmissores da doença para crianças. Ampliar a investigação de contatos e investir em estratégias preventivas são passos essenciais. Apesar dos avanços, o cenário exige atenção contínua. A criança não é apenas vítima da TB; é um lembrete da necessidade de cuidar de toda a cadeia de transmissão. O combate à TB pediátrica não pode esperar.