Publicação: 11 de abril de 2022
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Apesar de altamente prevalente, a detecção de tuberculose (TB) em pacientes HIV que precisam de internação hospitalar pode ser desafiadora. Fatores como imunossupressão grave, sintomas atípicos e/ou inespecíficos, formas extrapulmonares e disseminadas e apresentações paucibacilares são frequentes nessa população e dificultam a suspeita clínica e o diagnóstico da doença.
Desde 2011, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que pacientes com HIV – incluindo os que são internados – sejam rastreados para tuberculose por meio da pesquisa de 4 sinais e sintomas principais: tosse atual, febre, perda ponderal e sudorese noturna. Caso esse rastreio seja positivo, pacientes internados devem ser submetidos a um teste rápido molecular diagnóstico, como Xpert MTB/RIF ou Xpert MTB/RIF Ultra, ambos disponíveis no Brasil.
Entretanto, questiona-se se, em países de alta prevalência de tuberculose, a realização dos testes rápidos moleculares em todos os pacientes HIV que necessitam de internação não seria mais adequada do que um processo de rastreio prévio. Uma revisão sistemática e meta-análise com dados individuais em pacientes HIV internados independente de sinais ou sintomas de tuberculose foi publicada na The Lancet, buscando mostrar resultados sobre o assunto.
Para a revisão sistemática, foram incluídos estudos transversais, observacionais e ensaios randomizados que coletaram pelo menos uma amostra de escarro para cultura de micobactéria ou Xpert em indivíduos com 10 anos ou mais com infecção pelo HIV e que estavam internados, independente da presença de sinais ou sintomas sugestivos de TB. Estudos de caso-controle, que só incluíram pacientes com suspeita de TB ou que recrutaram participantes com diagnóstico ou em tratamento para TB ativa.
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Foram considerados como exames de rastreio: a pesquisa de sinais e sintomas, valores de proteína C reativa, radiografia de tórax ou pesquisa de presença de tosse por mais de 2 semanas, anemia, IMC < 18,5 kg/m² ou linfonodomegalia.
Os dados individuais primeiramente foram analisados separadamente em cada estudo e depois agregados. Em um primeiro passo, o grupo do estudo estimou a prevalência de tuberculose, a proporção de pacientes que seriam elegíveis de acordo com a estratégia da OMS e a performance dos métodos diagnósticos individualmente para cada estudo. Em um segundo passo, os dados de prevalência de tuberculose e de proporção de pacientes internados elegíveis para testagem com Xpert foram agregados.
Das 6.162 publicações encontradas, 6 foram consideradas elegíveis, correspondendo a dados de 3.660 indivíduos. Cinco estudos foram conduzidos na África Subsaariana e 1 na Ásia. Todos os estudos sistematicamente coletaram amostras de escarro para Xpert, 4 coletaram escarro para cultura e 2, urina para Xpert.
A mediana de idade foi de 37 anos, 58% dos participantes eram mulheres e 67% estavam em uso de terapia antirretroviral (TARV). A mediana de contagem de linfócitos T-CD4 foi 205 células/mm³.
Entre os estudos que coletaram amostras de escarro para cultura, a prevalência agregada de tuberculose foi de 20% (IC 95% = 13 – 28%) quando a cultura era o padrão de referência e de 25% (IC 95% = 18 – 33%) quando o padrão foi o Xpert. Entre os 6 estudos, a proporção de indivíduos com pelo menos um dos 4 sinais e sintomas de rastreio recomendado pela OMS foi de 90% (IC 95% = 89 – 91%), variando entre os estudos de 85 a 100%.
Em relação à performance dos testes ou estratégias de rastreio, quando avaliados testes individuais, a pesquisa de sinais e sintomas e valores de PCR apresentaram-se os mais sensíveis, mas com baixa especificidade. Tosse por pelo menos 2 semanas, anemia com Hb < 8 g/dL, IMC < 18,5 kg/m² e linfonodomegalia tiveram especificidades de moderada a alta, mas com baixa sensibilidade, sendo considerados inadequados como testes de rastreio. Os dados em relação à radiografia de tórax foram escassos. Nas estratégias que combinaram a pesquisa de sinais e sintomas com PCR, as sensibilidades foram altas, mas as especificidades foram baixas.
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A sensibilidade do algoritmo atual da OMS de pesquisa de sinais e sintomas seguida de realização de Xpert foi de 76% (IC 95% = 67 – 84%) e a especificidade foi de 93% (IC 95% = 88 – 96%). A acurácia diagnóstica da utilização universal de Xpert na população de indivíduos HIV-positivos internados foi semelhante, com uma sensibilidade de 78% (IC 95% = 69 – 85%) e uma especificidade de 93% (IC 95% = 87 – 96%).
Baseado nesses resultados, a OMS recomenda a utilização de estratégia universal de testagem com teste rápido molecular em todos os pacientes com HIV que são internados em regiões de alta prevalência de TB (> 10%). Uma vez que as performances entre as estratégias de rastreio e a aplicação universal do teste rápido molecular foram semelhantes, a utilização de teste universal poderia reduzir a complexidade do algoritmo diagnóstico. Além disso, os autores também encontraram uma positividade de 2% no Xpert nessa população em indivíduos que não seriam elegíveis para o teste se a estratégia de rastreio por sinais e sintomas fosse implementada. Como a concordância entre as estratégias é alta, o grupo acredita que a adoção de testagem universal não resultaria em grandes diferenças de custo.