Tuberculose: epidemia que atravessa os séculos pode fazer ainda mais vítimas
Descontinuidade do tratamento, que dura cerca de seis meses, é um dos principais motivos de óbitos pela doença
A doença não é nova e já foi um dos maiores temores da humanidade. Mas se engana quem pensa que a tuberculose ficou no passado: a enfermidade continua presente e até março de 2020 era considerada a doença infecciosa com maior número de mortes diárias em todo mundo, sendo sobreposta pela covid-19. Apesar dos avanços científicos, que possibilitaram tratamentos medicamentosos eficazes e gratuitos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a continuidade do tratamento ainda é um desafio, seja pelo seu tempo prolongando, estigma sobre a doença ou, mais recentemente, pela sobrecarga dos sistemas de saúde devido à pandemia.
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Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estimativa é que 10 milhões de pessoas adoeçam com a tuberculose por ano. No Brasil, são registrados anualmente cerca de 4,5 mil mortes pela doença, sendo um dos principais motivos para o óbito a descontinuidade do tratamento. E com a pandemia, esse cenário pode se agravar.
Estudo publicado na revista The Lancet indica que as mortes por tuberculose podem aumentar em 20% por cento nos próximos cinco anos em países de baixa e média renda com alto ônus dessas doenças por causa da interrupção de tratamentos e serviços de saúde causada pela pandemia de covid-19.
Fora o fator pandemia, que pode prejudicar o acesso ao tratamento, o tempo prolongado até a cura contribui para a interrupção dos medicamentos antibióticos, que devem ser administrados por, no mínimo, seis meses. De acordo com o Ministério da Saúde, de cada 10 pessoas que iniciam o tratamento, pela menos uma abandona o uso dos medicamentos.
“O tratamento realmente é longo e, nos primeiros meses, as pessoas já começam a melhorar e, com isso, elas pensam que estão curadas e param de tomar os remédios”,
explica a professora do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina e coordenadora do Ambulatório de Tuberculose do Hospital das Clínicas da UFMG, Silvana Spíndola de Miranda.
Apesar de haver uma melhora nos sintomas já nas primeiras semanas, a cura só é garantida ao final do tratamento. “O problema de não tomar os medicamentos por um período adequado é a recidiva, ou seja, voltar a ter a tuberculose. Por isso, o tempo do tratamento é longo: além de tratar, evita o retorno da doença”, alerta a professora. Além disso, o abandono do tratamento pode ocasionar o aparecimento de bactérias mais resistentes aos medicamentos e pode levar à morte.
Preconceito
Além do período prolongado de tratamento, que leva a descontinuidade dessa terapêutica, o preconceito é outra barreira para a cura. Na análise do integrante da Comissão de Tuberculose da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) e professor de Pneumologia da Universidade Federal de Goiás, Marcelo Rabahi, esse é um problema da época em que não havia medicamentos eficazes e os pacientes eram tratados em sanatórios.
“Esses lugares ficavam afastados das cidades e em montanhas, porque se acreditava que nessas regiões haveria menos oxigênio e, com isso, o bacilo não sobreviveria. Mas, efetivamente, o que fazia com que as pessoas melhorassem era o repouso e receberem boa alimentação. Algumas evoluíam com cura espontânea sem medicação. A partir dessa segregação, há um receio muito grande de que quem tem tuberculose vai passar para todo mundo, que a doença é altamente contagiosa e que não se pode nem olhar para a pessoa que já está contaminada. E isso foi ficando arraigado na população em geral e, também, entre os profissionais de saúde”, explana.
Para o professor, é preciso difundir informações para acabar com o preconceito. “A informação sobre tuberculose, hoje, nas faculdades de Medicina, de Enfermagem, para a população em geral é muito tímida. Se a gente for avaliar o nível de discussão que existe para outras doenças, eu acho que temos muito trabalho a fazer com a tuberculose. E é importante que esse trabalho seja feito de forma continuada”, acredita.