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Uma vacina criada há mais de um século oferece nova esperança contra patógenos

Cientistas querem desenvolver ferramentas para uso na próxima pandemia, que pode ser de outro coronavírus, de uma cepa nova e letal de influenza ou um vírus desconhecido

No início da pandemia de Covid-19, quando a prevenção parecia estar a anos-luz de distância, vários cientistas iniciaram ensaios para ver se uma vacina contra a tuberculose desenvolvida no início do século 20 poderia proteger as pessoas, fortalecendo o sistema imunológico.

É sabido há anos que a vacina do bacilo de Calmette-Guerin (BCG) tem efeitos amplos sobre o sistema imunológico. Ela ainda é dada a bebês no mundo em desenvolvimento e em países com prevalência de tuberculose.

Cientistas observaram muitos anos atrás que a vacina parece treinar o sistema imunológico a reagir a uma série de doenças infecciosas, incluindo vírus, bactérias e parasitas, e reduz a mortalidade infantil.

Com o ressurgimento de novas ameaças como a varíola dos macacos e a pólio, e com o coronavírus continuando a evoluir, o potencial da velha vacina de proporcionar uma medida de proteção universal contra doenças infecciosas vem atraindo interesse renovado entre cientistas.

Agora estão começando a chegar os resultados de ensaios clínicos feitos durante a pandemia, e as conclusões, embora desiguais, são animadoras.

Publicados na segunda-feira na Cell Medicine Reports, os resultados mais recentes são de um ensaio iniciado antes do surgimento da Covid-19. O ensaio foi designado para averiguar se injeções múltiplas de BCG poderiam beneficiar pessoas com diabetes tipo 1, que são altamente suscetíveis a infecções.

Em janeiro de 2020, no início da pandemia, os pesquisadores começaram a rastrear infecções por Covid entre os 144 participantes no ensaio. Todos tinham diabetes tipo 1, e dois terços deles haviam recebido pelo menos três doses de BCG antes da pandemia. O terço restante recebera múltiplas injeções de placebo.

Os cientistas ainda estão avaliando os efeitos de longo prazo da vacina sobre a própria diabetes tipo 1. Mas contrataram um grupo independente para analisar infecções por Covid entre os participantes por 15 meses, antes de qualquer deles ter tomado vacinas contra a Covid.

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Os resultados foram marcantes: apenas uma (ou seja, pouco mais de 1%) das 96 pessoas que haviam recebido as doses de BCG desenvolveu Covid-19, contra seis (ou 12,5%) dos 48 participantes que haviam tomado injeções de placebo.

Embora o ensaio tenha sido relativamente pequeno, “os resultados são tão impressionantes quanto os das vacinas de mRNA da Moderna e Pfizer“, disse a médica Denise Faustman, autora principal do estudo e diretora de imunobiologia no Massachusetts General Hospital.

As pessoas com diabetes tipo 1 são especialmente propensas a infecções. “Vimos uma redução importante nas infecções urinárias, menos gripe e resfriados, menos infecções do trato respiratório e menos sinusites, algo que acomete muito os diabéticos”, acrescentou Faustman.

Segundo ela, a vacina “parece estar resetando a resposta imune do hospedeiro para que fique mais alerta, mais preparada, menos preguiçosa”.

Outro ensaio de BCG foi feito com 300 adultos gregos na terceira idade, todos com problemas de saúde como doença cardíaca ou pulmonar. Viu-se que a vacina BCG reduziu as infecções por Covid em dois terços e também abaixou os índices de outras infecções respiratórias.

Apenas dois indivíduos que receberam a vacina foram hospitalizados com Covid-19, em comparação com seis que receberam as injeções de placebo, segundo o estudo, publicado em julho no Frontiers in Immunology.

Vimos efeitos imunológicos claros da BCG, e é tentador perguntar se podemos usar essa vacina -ou outras que induzem efeitos de treinamento da imunidade- contra um novo patógeno que possa emergir no futuro, que seja desconhecido e para o qual não tenhamos uma vacinaMihai Netea

Principal coautor do artigo e professor no Centro Médico da Universidade Radboud, na Holanda

“Vimos efeitos imunológicos claros da BCG, e é tentador perguntar se podemos usar essa vacina –ou outras que induzem efeitos de treinamento da imunidade— contra um novo patógeno que possa emergir no futuro, que seja desconhecido e para o qual não tenhamos uma vacina”, disse o Dr. Mihai Netea, principal coautor do artigo e professor no Centro Médico da Universidade Radboud, na Holanda.

Ele descreveu como “muito fortes” os resultados do ensaio com pessoas com diabetes tipo 1, mas pediu cautela, observando que outros ensaios tiveram resultados decepcionantes. Um estudo holandês com 1.500 profissionais de saúde vacinados com a BCG não constatou uma redução nas infecções por Covid, e um estudo sul-africano com mil profissionais de saúde não identificou nenhum impacto da BCG sobre a incidência ou gravidade da Covid.

Os resultados do maior ensaio clínico da BCG —um estudo internacional que acompanhou mais de 10 mil profissionais de saúde da Austrália, Holanda, Reino Unido, Espanha e Brasil por um ano— ainda estão sendo analisados e estão previstos para chegar nos próximos meses. O estudo também acompanhou profissionais de saúde depois de receberam vacinas contra a Covid, para ver se a BCG melhorava sua resposta.

“A BCG é uma questão controversa —há os crentes e os descrentes”, disse o pesquisador chefe daquele ensaio, Nigel Curtis, professor de doenças infecciosas pediátricas na Universidade de Melbourne, na Austrália, e líder do Grupo de Doenças Infecciosas do Murdoch Children’s Research Institute. Ele próprio se descreve como “agnóstico”.

“Ninguém disputa que há efeitos que não são os visados, mas quão profundo é isso, e será que se traduz em um efeito clínico? E será que se limita a recém-nascidos, cujo sistema imunológico é muito mais suscetível? São questões muito diferentes”, disse Curtis.

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2022/08/uma-vacina-criada-ha-mais-de-um-seculo-oferece-nova-esperanca-contra-patogenos.shtml